quarta-feira, 27 de agosto de 2014

Um Pouco de Ação na Proclamação da República


Por Douglas Barraqui
Como historiador aficionado pelo passado, sempre olhei entusiasmado para os acontecimentos do dia 15 de novembro de 1889. Vejo esse episódio importante da história do Brasil como um momento repleto de ação, emoção e mesmo com uma pitada de aventura. Sei que a Proclamação da República e seus desdobramentos não possuem lá grandes adereços dentro da nossa história, mas, com esse fato único da história do Brasil, alguma coisa podemos aprender.
Como um rasto de pólvora a notícia de que o Visconde de Ouro Preto, chefe do gabinete imperial de D. Pedro II, havia mandado prender Benjamin Constant e Deodoro da Fonseca, se espalhou pela capital Rio de Janeiro na noite do dia 14 de novembro de 1889. Mais tarde saberemos, tratava-se de um blefe.
Visconde de Ouro Preto
O golpe que originalmente estava marcado para o dia 20 de novembro daquele ano, havia então sido antecipado. Deodoro, antes indisposto ao golpe, pela sua amigável relação com imperador D. Pedro II, agora se colocava à frente da “Revolução” com seus soldados, pronto a fazê-la.
Já era noite e os conspiradores republicanos se apressaram em fazer com que o blefe chegasse a Deodoro. Mesmo sofrendo de desconforto para respirar que se estendia à constante falta de ar, mal conhecido como dispnéia - naquela madrugada do dia 15, estava tão abatido que precisava da ajuda de dois oficiais para se virar -  Deodoro acabou sendo convencido a liderar o movimento. Talvez algo que tenha sido decisivo para que Deodoro tomasse a frente do movimento foi saber que, a partir de 20 de novembro do mesmo ano, seu grande rival Silveira Martins seria o novo presidente do Conselho de Ministros do Império. Silveira Martins e Deodoro eram rivais desde os tempos das investidas no Rio Grande do Sul. Ambos chegaram a disputar a atenção da bela e viúva baronesa do Triunfo, que segundo conta os anais da história, preferira Silveira Martins. Desde então ambos trocavam farpas.
Benjamin Constant
Acreditando no boato, recebido pela boca do Major Frederico Solón de Sampaio Ribeiro, de que seria preso pelo governo imperial. Na manhã de 15 de novembro Deodoro, debilitado e contrariando as ordens do seu médico Carlos Cross, pegou uma charrete em companhia do alferes e seu primo Augusto Cincinato de Araújo e foi ao encontro das tropas.
Na Rua Senador Eusébio, altura do gasômetro, estavam as forças sublevadas que vinha na direção contrária comandadas pelo tenente-coronel João Batista da Silva Teles, tendo ao lado Benjamin Constant. Ao chegar no Campo do Santana, fraco e cambaleando o marechal pediu para montar um cavalo. Temerosos de que o velho comandante não tivesse forças para se manter sobre o animal, o alferes Eduardo Barbosa cedeu-lhe o cavalo baio número 6, considerado o mais dócil da tropa do Primeiro Regimento.
Manuel Deodoro da Fonseca
Deodoro atravessou o Campo de Santana e, do outro lado do parque, onde hoje está localizado o Palácio Duque de Caxias, Com voz firme e decidida começou a disparar ordens e comandos aos seiscentos homens armados com espadas, fuzis e dezesseis canhões.   Conclamou os soldados que ali estavam aquartelados a se rebelarem contra o governo imperial.
Os homens sobre o comando de Deodoro postaram-se em frente ao quartel onde estava reunido o presidente do gabinete, então primeiro-ministro, Ouro Preto e seus ministros, protegidos por 1.096 homens que, recrutados às pressas, estavam encarregados de proteger o edifício. O que Ouro Preto não sabia é que o comandante desses homens, general José de Almeida Barreto, estava comprometido com os revolucionários. Deodoro chamou um oficial e determinou que levasse ao general a ordem para mudar de posição. Passado quinze minutos, notou que Almeida Barreto ainda não cumprira a determinação. Deodoro repetiu o comando e mais uma vez não foi atendido. Então, pela terceira vez, o marechal teria exclamado um recado um tanto quanto enérgico e sugestivo: “menino vá dizer a Barreto que faça o que já por duas vezes ordenei, ou então que meta sua espada do c..., pois não preciso dela.”
Quintino Bocaiúva
Os civis começaram a aparecer. O jornalista Quintino Bocaiúva foi um deles. Silva Jardim, desafeto de Bocaiúva, não foi avisado e perdeu a chance de testemunhar o evento - mais tarde, em viagem ao sul da Itália, Jardim seria tragado pela cratera do Vesúvio. Aparecera também José da Costa Azevedo, barão de Ladário, vinha juntar-se ao ministério de Ouro Preto. Deodoro mandou que os tenentes Adolfo Pena e Lauro Muller o prendessem. Ao dar a voz de prisão ao barão este sacou uma pistola e disparou em direção aos oficiais que revidaram imediatamente. Ambos erraram o alvo. Ladário sacou outra pistola e deu um segundo tiro, errou e foi alvejado por quatro disparos. Deodoro gritou: “não matem esse homem”. Levado a um hospital, Ladário, milagrosamente, sobreviveu.
No interior do quartel Ouro Preto disparava ordens. Ordenou ao comandante do destacamento local e responsável pela segurança do Paço Imperial, general Floriano Peixoto, que enfrentasse os amotinados, explicando ao general Floriano Peixoto que havia, no local, tropas legalistas em número suficiente para derrotar os revoltosos. O Visconde de Ouro Preto lembrou a Floriano Peixoto que este havia enfrentado tropas bem mais numerosas na Guerra do Paraguai. Porém, o general Floriano Peixoto recusou-se a obedecer às ordens dadas pelo Visconde de Ouro Preto e assim justificou sua insubordinação, respondendo ao Visconde de Ouro Preto: “Sim, mas lá (no Paraguai) tínhamos em frente inimigos e aqui somos todos brasileiros!”.
Floriano Vieira Peixoto
Pouco depois da nove horas da manhã Deodoro determinou que os portões do quartel fossem abertos. Deodoro adentrou o recinto e subiu em direção do salão onde estavam os ministros. Ao adentrar pela porta, sua figura imponente com barba cerrada e olhos penetrantes, fez-se um silêncio. De pé, diante dos ministros fez um discurso permeado de queixas. Destacando que só o exército sabia sacrificar-se pela pátria.
Viva a República”. A lendária frase que diziam ter sido exclamada por Deodoro, de fato não há evidencias que assim o foi, pelo contrário: Sampaio Ferraz, jovem jornalista eufórico com tudo aquilo que estava acontecendo, seguindo instruções de Bocaiúva, teria se colocado diante das grades do portão e gritado “viva a República”. Ao ouvi-lo Deodoro determinou que se calasse, pois ainda era cedo.
"Proclamação da República", 1893, óleo sobre tela de Benedito Calixto (1853-1927). Acervo da Pinacoteca Municipal de São Paulo
O ato da proclamação prosseguiu com um desfile de tropas pela Rua Direita, atual Rua 1º de Março, até o Paço Imperial. Na tarde do mesmo dia 15 de novembro líderes republicanos civis, Deodoro da Fonseca e o tenente-coronel Benjamin Constant, se encontravam na Câmara Municipal do Rio de Janeiro, onde foi solenemente e oficialmente proclamada a República.
Celso Castro, renomado historiador, afirma que a maioria dos soldados que integravam o movimento golpista estavam ali apenas seguindo ordens, não estavam conscientes de que se pretendia derrubar a monarquia. Eram, portanto, atores involuntários do drama, seguindo ordens de seus superiores.
José do Patrocínio, na noite do dia 15, redigiu a proclamação oficial da República dos Estados Unidos do Brasil, aprovada mesmo que sem votação. O então texto foi para as gráficas e jornais que apoiavam a causa, que não eram poucos, e somente no dia 16 de novembro o povo soube que mudara o regime político. Acabava o império, proclamada estava à República. E o povo como reagiu? Não reagiu. Poucos sabiam o verdadeiro significado da República ou mesmo como funcionava essa forma de governo. O povo fez valer um velho axioma de Lima Barreto: “O Brasil não tem povo, tem público”.
Referências:
BARBOSA, Rui. Ditadura e República. Editora Guanabara, Rio de Janeiro, 1932.
CALMON. A Vida de Dom Pedro II - O Rei filósofo, Blibioteca do Exército Editora, Rio de Janeiro, 1975.
CAMPOS SALES, Dr. Manuel Ferraz de. Da Propaganda à Presidência. Edição Fac-similar, Senado Federal, Brasília, 1998. CHAVES DE MELLO, Maria Tereza, A República Consentida, Editora FGV, EDUR, Rio de Janeiro, 2007.
FONSECA, Deodoro. Deodoro e a Verdade Histórica. Imprensa Nacional, Rio de Janeiro, 1939.
FREIRE, Gilberto, Ordem e Progresso, páginas 180 e 181, Editora Record, 5ª edição.
GOMES, Laurentino. 1889: como um imperador cansado, um marechal vaidoso e um professor injustiçado contribuíram para o fim da monarquia e a proclamação da República no Brasil / Laurentino Gomes. - 1. ed. - São Paulo : Globo, 2013.
JANOTTI, Maria de Lourdes Mônaco. Os Subversivos da República. Editora Brasiliense, São Paulo, 1986.
OURO PRETO, Visconde de. A Década Republicana. Editora da UNB, Brasília, 1986.
OURO PRETO, Visconde de. Advento da Ditadura Militar no Brasil. Editora Imprimiere F. Pichon, Paris, 1891.
PEIXOTO, Floriano. Floriano 1839-1939. Editora Graphicos Bloch, Rio de Janeiro, 1939.
PRADO, Eduardo. Fatos da Dictadura Militar no Brazil. Editora Revista de Portugal, 1890.

Um comentário:

Lugon de Souza disse...

Não faço ideia de como cheguei aqui neste Blog, mas foi a flanagem mais produtiva de que me lembro. Já salvei no meus favoritos.