domingo, 30 de maio de 2010

Pobreza no Brasil colonial: uma ponte para o céu


Por Douglas Barraqui com base no artigo da Dr. Maria da Penha Smarzaro Siqueira


A lástima, a construção ideológica e a referencial à pobreza no Brasil colonial foi elaborada a partir da ótica cristã e se estruturou pelo exercício da caridade. Assim destacaram-se dentro desse preceito a ordem dos mendicante e da misericórdia, que funcionavam como uma ponte para o reino do céu para os mais afortunados que exerciam a caridade.


O ideário da modernidade européia, expresso principalmente a partir do século XVI, vai ser determinante para uma nova concepção de mundo entendida pela razão. Destruiu a noção tradicional que o mundo medieval havia construído nos preceitos divinos. Houveram significativos avanços no campo da ciência que por sua vez deram impulso ao empreendimento das grandes navegações. A razão tomava forma no século XVIII com o reforço dos iluministas. Em meio a um contexto de grandes transformações econômicas, políticas, sociais e culturais o ideário de modernidade se expandia pela Europa.


Embora o tido como “descobrimento do Brasil” era enxergado como o que havia de mais moderno, Portugal em si não pode ser considerado um Estado moderno. A ruptura com o movimento humanista, o que preconiza o antropocentrismo em detrimento do teocentrismo, foi decisivo dentro do processo de colonização do Brasil, uma vez que condicionou a estrutura mental da colônia aos estreitos limites da ortodoxia católica. E o elogia a pobreza é, de certo, uma herança medieval pautada nessa ortodoxia.


Na sociedade medieval cristã, a expressão maior do evangelho, e o elogio à pobreza enraíza-se nos programas ideológicos que fizeram das sagradas escrituras uma referência. A pobreza no mundo medieval cria um elo, uma porta, para que os mais afortunados possam se salvar por intermédio do exercício da caridade.


Em Portugal, por exemplo, era uma tradição dar esmolas; eram comuns também práticas como distribuição de alimentos aos necessitados, recolhimento de pobres. A Irmandade da Misericórdia, que veio ao Brasil empacotado ao projeto colonizador, era a forma que os mais ricos encontravam para exercer a caridade e ‘ascenderem ao reino do céu’.


A misericórdia opera no atendimento dos pobres, dos doentes, dos presos, dos alienados, dos órfãos desamparados, dos inválidos, das viúvas pobres e dos mortos sem caixão, era comum o recolhimento de donativos dos mais afortunados para a assistência dos pobres desvalidos, com exceção aos escravos.


Das instituições mantidas pela ‘Irmandade da Misericórdia’, dentro da colônia, a mais significativa foi a hospitalar. Hospitais públicos, “santas Casas” (originando a Santas Casas de Misericórdia). Essas instituições tinham uma função muito mais assistencialista do que terapêutica, como se pressupõe pelo nome. Prestavam atendimento aos pobres da doença, na vida, no abandono e até mesmo na morte; alem de prestar auxílio aos abandonados e marginalizados (crianças e velhos), criminosos doentes e doentes mentais. E fato, portanto, que nas cidades onde surgiram, as misericórdias se anteciparam ao poder público estatal de assistência social e a saúde.


No Brasil, a atuação desta Ordem da Misericórdia se estabeleceu, inicialmente, pela instituição da esmola, seguida pelo assistencialismo, passando posteriormente a assimilar uma noção de filantropia higiênica.


Na província do Espírito Santo, com vilas demasiadamente pobres, com precárias condições de higiene e de saúde, no caso de Vitória, os surtos de doenças endêmicas e epidêmicas intensificavam a precariedade da vida dos pobres. Assim a Irmandade da Misericórdia marca sua atuação desde o início do tempo colonial.


A Santa Casa da Misericórdia de Vitória foi criada no século XIX voltada para a caridade e tratamentos de saúde. Sua construção se deu pelo viés da iniciativa pública e privada. E seguindo as parcas noções de higiene da época, o hospital foi erguido em local de nível elevado aos mangues, ao passo que acreditavam serem estes os principais causadores e transmissores de doenças.


Portando, a pobreza e a caridade caminham juntas na organização social do Brasil colonial. A pobreza cumpria seu papel político quando os pobres ficavam fieis aos doadores afortunados; papel religioso, diluída na noção de perdão e salvação dos pecados por intermédio da doação aos pobres; e social diferenciando os abastados dos não abastados.


Bibliografia:


SIQUEIRA, Maria da Penha Smarzaro. Pobreza no Brasil colonial: representação social e expressão da desigualdade na sociedade brasileira. História - revista leletrônica do Arquivo Público do estado de São Paulo, nº 34, 2009.

domingo, 16 de maio de 2010

Neoliberalismo e sua razão de ser


Por Douglas Barraqui com base no texto de Perry Anderson


O neoliberalismo brotou em meio aos escombros da II Guerra Mundial, na região da Europa e da América do Norte onde imperava o capitalismo. Foi uma reação teórica e política veemente e fulminante contra o Estado intervencionista e de bem-estar-social. Seu texto de origem é O Caminho da Servidão, de Friedrich Hayek, escrito já em 1944.


Seu propósito era combater o Keynesianismo e o solidarismo reinante e preparar as bases de um outro tipo de capitalismo, duro e livre de regras para o futuro.


Hayek e seus companheiros argumentavam que o novo igualitarismo (muito relativo, bem entendido) deste período, promovido pelo Estado de bem-estar-social destruía a liberdade dos cidadãos e a vitalidade da concorrência, da qual dependia a prosperidade de todos. A desigualdade era um valor positivo – na realidade indispensável em si – , pois era disso que precisava as sociedades ocidentais.


A chegada da grande crise do modelo econômico do pós-guerra, em 1973, quando todo o mundo capitalista avançado caiu numa longa e profunda recessão, combinando, pela primeira vez, baixas taxas de crescimento com altas taxas de inflação, mudou tudo. A partir daí as idéias neoliberais passaram a ganhar terreno fértil.



O remédio, então, era claro: manter um Estado forte, sim, em sua capacidade de romper o poder dos sindicatos e no controle do dinheiro, mas parco em todos os gastos sociais e nas intervenções econômicas. A estabilidade monetária deveria ser a meta suprema de qualquer governo. Seria necessário uma disciplina orçamentária, com a contenção dos gastos com bem-estar, e a restauração da taxa “natural” de desemprego, ou seja, a criação de um exército de reserva de trabalho para quebrar os sindicatos. Redução dos impostos sobre os rendimentos mais altos e sobre as rendas. A desigualdade iria voltar a dinamizar as economias avançadas, então às voltas com uma estagflação, resultado direto dos legados combinados de Keynes e de Beveridge, ou seja, a intervenção anticíclica e a redistribuição social.


A oportunidade surgiria em 1979. Na Inglaterra, foi eleito o governo de Thatcher, o primeiro regime de um país de capitalismo avançado publicamente empenhado em pôr em prática o programa neoliberal. Em 1980, Regan chegou à presidência dos EUA. Em 1982, Khol derrotou o regime social liberal de Helmut Schimidt, na Alemanha. Os anos 80 viram o triunfo mais ou menos incontrastado da ideologia neoliberal nas regiões de capitalismo avançado.


Então, em todos estes itens, deflação, lucros, empregos e salários, pode ser dito que o programa neoliberal se mostrou realista e obteve êxito.


Economicamente, o neoliberalismo fracassou, não conseguindo nenhuma revitalização básica do capitalismo avançado. Política e ideologicamente, todavia, o neoliberalismo alcançou êxito num grau com que seus fundadores provavelmente jamais sonharam , disseminando a simples idéia de que não há alternativas para os seus princípios, que todos, seja confessando ou negando, têm de adaptar-se a suas normas.


Bibliografia:

ANDERSON, Perry. Balanço do Neoliberalismo. In: SADER, Emir; GENTÍLI, Pablo. (Orgs.). Pós-neoliberalismo: as políticas e o Estado democrático. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2000. pp. 9-13.


sábado, 8 de maio de 2010

Um pouco mais de tempero ético à liberdade neoliberal


Por Douglas Barraqui


A retórica neoliberal diz que a economia de livre mercado é a única capaz de assegurar a liberdade do homem, pois então digam aos cientistas econômicos que falta tempero ético em seu projeto neoliberal, pois está descendo muito mal pela goela a baixo.


Uma postura ética tem como pressuposto a ação consciente e livre do indivíduo através do qual ele toma partido a respeito das coisas e das pessoas. Isso é negar a submissão do homem as forças do mercado, pois não há vida ética se o indivíduo não tem o direito de escolher e decidir.


Os cozinheiros da ciência econômica então se deparam com um problema que eles tentam mascarar com um tempero de dá nó na garganta: a ciência econômica trabalha com uma racionalidade que dispensa todo e qualquer julgamento de valor, ou seja, eles adotam um preparo, leia-se aqui metodologia, que dispensa considerações sobre problemas éticos fazendo deles algo inútil para seu prato principal. Sua preocupação acaba sendo com o método que possa permitir aos cozinheiros neoliberais manipular a realidade e resolver os problemas que o homem enfrenta no dia a dia. Assim não há a necessidade de perguntar a razão de ser dos problemas, mas sim discutir meios de resolvê-los e administrá-los. Afinal para o neoliberalismo você só precisa ver a cara da comida o sabor é um mero detalhe.


A ciência econômica, partindo da concepção de mercado, acaba não fazendo questionamento ou julgamento de suas explicações da realidade. Será que os cozinheiros provam sua comida antes de servi-la? Se não provam não há segurança não há segurança no que é produzido pela ciência econômica. E o que acaba entrando em questão não é como a realidade é, mas sim como ela deve ser, uma verdade isenta de qualquer valores, uma comida sem tempero. Assim os neoliberais acabam não tendo como sustentar a tese de que só uma economia de livre mercado pode assegurar a liberdade do homem, a cara da comida não prova que ela é boa.


Nessa conjuntura, há um caminho a ser seguido que é assumir a racionalidade do discurso filosófico. Seria, a filosofia julgando o saber da ciência econômica; o discurso da filosofia avaliando a teoria neoliberal e sua condição indispensável para a realização da liberdade. Afinal de contas alguém tem que avisar que está faltando tempero ético.


Para tanto a filosofia, em primeiro lugar, terá de ser capaz de legitimar seu saber e quando ela perguntar por este mundo criado pelo homem, sua preocupação é a de saber se as instituições econômicas, políticas, sociais, jurídicas estão sendo capazes de dar a liberdade ao homem. É o que o chefe da cozinha alemã, Hegel, faz na sua obra sobre Filosofia do Direito.


A tarefa da filosofia seria abrir um diálogo direto com a teoria neoliberal para encontrar um outro caminho, um novo prato talvez. Então eis que Marx oferece a lei geral da troca de mercadorias (princípio da equivalência – que se firma na troca como ato entre indivíduos e não pelo valor coisas). A liberdade apareceria como uma chance do homem construir novas configurações sociais, políticas, econômicas e jurídicas, ou seja, um novo modo de organizar a vida. Um outro restaurante, uma nova cozinha e veremos o tempero.


Se a história de fato for o lugar onde o homem luta pela sua liberdade, esta luta é em primeiro lugar a luta pela vida, pelas condições materiais que tornam possíveis a satisfação das necessidades básicas da reprodução biológica do homem. É a partir daqui que se entenderia a real condição econômica na vida humana. A atividade econômica, portanto, passa a ser entendida como meio de garantir o necessário para reprodução da vida humana. A economia estaria a serviço das necessidades básicas do homem, assim, efetivando o ser livre.


Um pouco de tempero ético viria a calhar, em um mundo neoliberal em que a liberdade é transformada em não-liberdade, a igualdade em não-igualdade, fraternidade em guerra por poder e riqueza. É difícil engolir tudo isso?!


Bibliografia:


TEIXEIRA, Francisco José Soares. Globalizaçao e mercado de trabalho no estado do Ceara: transformação da organização da produção, das relações de trabalho e do padrão demográfico no estado do Ceará. Fortaleza, CE: Universidade de Fortaleza, 1999. 180p.


BORON, Atílio; GENTILI, Pablo; SADER, Emir. Pos-neoliberalismo: as políticas sociais e o estado democrático. 3. ed. - Sao Paulo: Paz e Terra, 1996. 205p.

domingo, 2 de maio de 2010

O passado sempre presente


Por Douglas Barraqui


Começo este artigo com uma afirmação: “a maneira com que escolhemos para contar nosso passado pode dizer muito do nosso presente”. Fazer o resgate dos acontecimentos históricos é legitimar ou dar explicação ao momento, ao contexto, a situação e as sensações presentes, ou seja, o passado nos causa impacto, principalmente em nossos alunos. Assim sendo a maneira com que nós professores contamos a história para nossos alunos pode influir direta e indiretamente em suas concepções de mundo, eu posso dizer que vejo nos olhos dos meus alunos.


Nós professores de história somos interlocutores, o câmbio, entre o passado e o presente. Ressuscitamos os que já foram, damos vida as revoluções, aos conflitos, as conquistas e as tragédias, tudo isso se revela nos rostos dos alunos. Suas mentes, ainda jovens, fazem daquilo um filme e seus rostos caricaturam o passado. Uma impressão em uma mente tão moldada aos aspectos do presente.


Os alunos são tábulas rasas, possuem uma mente fabulosa a serem trabalhadas, “pegue novo e terá um milhão de possibilidades”. Os acontecimentos do passado são traduzidos pelos alunos em uma tentativa de confeccionar uma visão de si mesmo, individual. Nasce então uma história que nunca passa, nós morremos e o passado fica para sempre.


É com o passado que o aluno encontrará sua identidade. Em casa, nas ruas brincando com os colegas, na escola, na igreja, as seqüências de acontecimentos do passado acabam por se encontrarem com outras informações que serão igualmente processadas e diluídas sobre a tábula rasa. Tudo aquilo que ele julga ser verdade é na verdade parte de uma verdade, fragmentada e diluída ao tempo que nunca para.


Na infância ou na velhice, em algum momento, você se da conta que não é o bastante. Que você é perecível e que de fato quem não morre é o passado, ele sempre estará presente.